SUV elétrico da marca que pertence ao grupo Geely tem tudo para fazer frente a um certo modelo da irmã Volvo, que atende pela alcunha de EX30; confira nossa breve análise sobre o veículo

Por Marcus Celestino
De Ningbo, China

O autódromo internacional de Ningbo fica a cerca de três horas de Xangai, na China. Tem pouco mais de 4 km de extensão, 22 curvas e um terceiro setor bem interessante. A pista pertence ao grupo Geely e, definitivamente, não é o local ideal para se testar um SUV com pegada urbana. No entanto, foi exatamente o que a reportagem deste Autos Segredos fez na última semana.

Antes que o leitor ache que trata-se de uma reclamação, muito pelo contrário. Usualmente, em viagens do tipo, test drives são, no mínimo, enfadonhos e, no máximo, ludibriam. Incontáveis foram as vezes que este repórter e outras e outros colegas de profissão encararam quilômetros e quilômetros de jornada para “avaliar” um novo produto por míseros 15 minutos. Às vezes, nem isso.

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É por isso que vale, antes de revelarmos nossas primeiras impressões sobre o Zeekr X, SUV que chega ao Brasil em pré-venda no mês de setembro, elogiar a ação criada pela marca da Geely. Embora tenhamos guiado o crossover, primo do Volvo EX30, em ambiente controlado, tivemos contato mais do que suficiente com o veículo. Deu, pelo menos, para se ter uma noção, um microcosmo, do que ele pode ser capaz em seu habitat natural.

E, se me permitem mais um preâmbulo, antes de chegar ao corte nobre deste texto, devo contextualizar a Zeekr em algumas linhas. A fim de facilitar a vida do leitor, abrirei intertítulo abaixo para tecer algumas palavras sobre a marca. Se quiser partir logo para a avaliação é só pular o breve resumo.

O que é a Zeekr?

O que é a Zeekr? Do que se alimenta? Onde vive? A marca que pertence ao grupo é Geely é jovem. Nasceu há três anos, oriunda da Lynk & Co, com foco em tecnologia e eletrificação.

O significado do nome, por sua vez, não é nada prosaico. O “Zeekr” é particionado em três: o “Ze” representa o “zero”, o “ponto de partida para infinitas possibilidades”. O segundo “e” vem da “evolução da era elétrica” e o “kr”… Preparem-se para o “kr”: remete ao símbolo do criptônio na tabela periódica. Ele é um gás raro, que emite luz quando eletrificado. Ah, o marketing e sua eterna criatividade repleta de idiossincrasias.

Felizmente, contudo, os efeitos alucinógenos param por aí. A Zeekr é uma empresa muito séria, dona de estratégia ousada, porém absolutamente calculada e focada no segmento premium. Não espere nada similar aos produtos que, por exemplo, BYD ou GWM comercializam no Brasil.

Seus modelos, todos feitos sobre a plataforma SEA, têm no acabamento esmerado, na tecnologia e no design seus trunfos. Design este, aliás, bastante ocidentalizado e com ares de que envelhecerá bem. Cortesia de Stefan Sielaff, chefe do departamento cujo HQ fica em Gotemburgo, na Suécia. Sielaff, vale frisar, teve passagens por Audi e Mercedes-Benz.

A qualidade de construção dos produtos da Zeekr também impressiona. A fábrica da companhia, um complexo gigantesco que ocupa 1.200 km de área, é digna de loas. Fica em Zhejiang, província dominada pela empresa, e é uma lufada de ar fresco, de causar inveja às linhas de montadoras instaladas no Brasil.

Com capacidade de produção de 300 mil veículos por ano, a unidade faz, além dos modelos da Zeekr, produtos de Polestar e Ji Yue – que também se valem da arquitetura SEA. O conjunto de baterias é fornecido pela CATL e a montagem é feita de forma extremamente minuciosa.

Na realidade, tudo na fábrica é feito com muito cuidado. Digitalizada, limpa, extremamente silenciosa e repleta de robôs autônomos responsáveis pelo transporte de peças, tem ainda, no controle final, um número absurdo de funcionários (humanos).

Incautos dirão que o excesso de colaboradores na checagem derradeira, no importantíssimo QA, se dá por conta da mão de obra barata da “Assombrada China Comunista”. Ledo engano. O salário médio dos trabalhadores é, em conversão direta, de aproximadamente R$ 7 mil. A jornada é de sete horas, com dois dias de folga. Os funcionários ainda gozam de moradias novíssimas, em condomínios modernos instalados perto do complexo industrial, e não têm de conviver com um vizinho que nos importuna: o Custo Brasil.

Evidentemente, nem tudo são flores. Mas recomendo aos leitores, antes de qualquer juízo de valor, que chequem as políticas promovidas por Deng Xiaoping. Seu programa econômico, comumente conhecido como “reforma e abertura”, liberalizou a economia, estimulou uma burguesia agrária e fez com que capital estrangeiro entrasse aos baldes na China.

Deng adotou um modelo de Plataforma de Exportações similar aos dos “Tigres Asiáticos”. Assim, passou a fomentar a concorrência entre as defasadas companhias do país com empresas de capital misto. Não à toa tantas multinacionais se instalaram no país com o passar dos anos. Hoje, a China é uma superpotência altamente industrializada, que não cansa de investir em ciência e tecnologia a fim de sobrepujar o modelo dos Estados Unidos.

E o Brasil? Aqui, ainda confundimos alhos com bugalhos e acreditamos que uma gambiarra da gambiarra nos tornará potência global na seara automotiva. Enquanto isso, os jogadores de verdade nadam de braçada…

Mas voltemos à Zeekr, a empresa que mais se parece com uma big tech do Vale do Silício que qualquer outra coisa. E, claro, às primeiras impressões do X, SUV elétrico que chega, conforme mencionei lá no comecinho, em setembro ao Brasil.

Será o que o Zeekr X é bom?

Após (nem tão) breve contextualização sobre a Zeekr, vamos ao X. Será que o utilitário esportivo faz jus aos predicados da empresa que o fabrica? Respondo de cara: em alguns aspectos, definitivamente. No entanto, em outros, deixa um pouco a desejar.

Para começo de conversa, temos de abordar o elefante na sala: Volvo EX30 e Zeekr X são parentes próximos. O primeiro, com preços no Brasil que variam entre R$ 229.950 e R$ 293.950, “rouba” do segundo a arquitetura SEA.

No entanto, se formos comparar os dois em termos de acabamento, o Volvo fica no chinelo. A marca de origem sueca, também da Geely, optou por materiais sustentáveis no EX30. Se isso tornou o modelo mais barato, também o deixou com aspecto mais empobrecido – especialmente em relação ao X.

O SUV da Zeekr abusa de materiais suaves ao toque. Além disso, há couro em quase todo o interior. As forrações de portas, bancos e volante são, vale destacar, um primor. A unidade avaliada tem, como pode notar nas fotos, dispõe de vários detalhes em verde. Todavia, é pouco provável que a empresa arrisque trazer para o nosso país opção, ao menos para o consumidor brasileiro usual, tão exótica.

No quesito dimensões o Zeekr X também bate o EX30: o SUV da marca chinesa tem 2,75 m de entre-eixos, 10 cm a mais que o Volvo, e 4,45 m de comprimento, 22 cm adicionais em relação ao utilitário nórdico. O veículo chinês tem ainda 1,57 m de altura e 2,03 m de largura.

As distinções nas medidas são explicadas de modo simples. A plataforma SEA tem modularidade bem interessante, o que garante a aplicação da arquitetura nas mais variadas carrocerias. Vale frisar ainda que a estrutura de 800 V suporta recargas ultrarrápidas e dispõe de cabos mais finos, a fim de reduzir o peso.

Dito isso, vamos ao espaço interno. É mais do que adequado para condutor e passageiro da dianteira. Um pecado (tudo bem, pequenino) é a ergonomia, principalmente para o motorista. Mesmo com todos os ajustes, a posição de dirigir é elevada até mesmo para um veículo do segmento. Isso nem chega a ser o maior problema. O grande galho é a maciez extrema do material que compõe o banco. Em viagens mais longas, pode ser um incômodo. Felizmente, há apoio para a lombar capaz de mitigar um pouco do cansaço.

O volante não chega a ser oblongo, mas tem base e topo achatados. Por isso, tal qual o banco, mesmo se você ficar por minutos trabalhando para chegar ao melhor ajuste, não terá a melhor das experiências em termos ergonômicos. Mas aqui, bom enfatizar, é preciosismo do escriba. O X é um utilitário esportivo com leve carinha de hatch e vocação família, feito para rodar em centros urbanos.

Já no banco traseiro os passageiros viajam com um pouco mais de conforto que no Volvo EX30. Todavia, se o compararmos com outros modelos do segmento ainda falta espaço para os ocupantes tal qual no modelo de origem sueca. Além disso, ao menos na versão avaliada, não há apoio de cabeça ao centro. Isso, certamente, será remediado nos modelos que serão comercializados no Brasil.

Interior do Zeekr X é bonito, mas…

Se o interior do Zeekr X é infinitamente superior ao do Volvo EX30, pode pecar pelo minimalismo extremo. Praticamente todas as funcionalidades do SUV, desde ajuste dos retrovisores até os da coluna da direção, são guiadas pela central multimídia. A ausência de botões físicos é um detalhe que, ao menos para o repórter, incomodou um bocado. A empresa terá de fazer um belo trabalho de localização para que a tradução dos comandos seja perfeita para o usuário.

A central multimídia, aliás, é gigante. Tem tela de 14,6 polegadas e conta com uma curiosidade. Por meio de um trilho, ela é capaz de deslizar para o lado do passageiro. No entanto, normas brasileiras impedem que tal funcionalidade esteja presente nos veículos que rodam no país e, por isso, não devemos ter o recurso disponível em nosso país. O veículo dispõe ainda de head-up display e painel de instrumentos digital de deixar muito concorrente babando.

Já o console central tem dois andares e, assim como todo o habitáculo, tem acabamento esmerado. Assim como a tela da central, também pode ser movimentado – nesse caso, para garantir mais espaço aos ocupantes do banco traseiro. Ademais, pode ter até mesmo uma compartimento para aquecer ou resfriar itens.

Por fim, para não dizer que não falei das flores, há, sim, botões no utilitário esportivo. Eles substituem maçanetas externas e internas e, por conseguinte, servem para abrir as portas, bem como a tampa que esconde as entradas dos plugues. É bacana. Há um radar que checa a área. Ele impede que a porta se abra caso você pressione um dos danados enquanto houver um obstáculo à frente. Além disso, o processo de abertura pode ser feito até mesmo por reconhecimento facial.

Eu disse que era bacana.

Ao volante do Zeekr X

Dirigir um SUV de vocação urbana em uma pista certificada pela FIA é como nadar em um tanque preenchido por amido de milho. Mesmo assim, deu para notar algumas nuances bem interessantes acerca do Zeekr X.

O modelo que será vendido no Brasil tem duplo motor elétrico e tração integral. A potência combinada é de 428 cv e o torque máximo é de 55,3 kgfm. O modelo dispõe ainda de bateria de níquel-cobalto-manganês (NMC) de 69 kWh e autonomia de 440 km no ciclo WLTP. O EX30, no ciclo europeu, bom destacar, tem alcance de 480 km. Já com relação ao Inmetro, são 338 km.

No autódromo de Ningbo o X deixou bem claro que, realmente, aquele não era o seu habitat natural. No 0 a 100 km/h, feito em 3,8 segundos segundo a fabricante, a dianteira dá aquela levantada, aquela “decolada” gostosa. Por conta disso, parece que o veículo é até um pouco mais lento no arranque. Para completar, o rolamento da carroceria nas curvas, como era de se esperar, é demasiado.

Mas isso não tem jeito. Além de estarmos em uma pista onde correm monopostos de Fórmula 4, o acerto de suspensão é tipicamente chinês, primando exclusivamente pelo conforto. Segundo a Zeekr, porém, teremos aqui um processo de tropicalização que tornará o veículo mais afeito às vias brasileiras.

Para fechar, trata-se de um utilitário esportivo de quase duas toneladas (1.960 kg). Não à toa, num circuito que demanda tanto do condutor quanto do automóvel, controles eletrônicos de tração e estabilidade davam o ar da graça mesmo antes de qualquer, digamos, presepada, ou ensaio de “ousadia e alegria”. É um SUV próprio para a cidade, dono de excepcional isolamento acústico e que clama o tempo todo por tocada mais suave.

Preços e conclusão

Já que utilizei algumas expressões populares e datadas no parágrafo acima, me permita mais uma: a Zeekr já “mandou o papo” e garantiu que, embora seja do mesmo grupo da Volvo, irá operar de maneira distinta no Brasil. Portanto, não espere uma política de boa vizinhança entre a autotech chinesa e a tradicional marca nórdica.

Em suma, se levarmos em consideração o preço da versão de topo do EX30, a Ultra (R$ 293.950), não espere um fio de bondade da Zeekr. Desse modo, a marca provavelmente irá comercializar o X em nosso mercado com valor que ficará na faixa dos R$ 300 mil. Ou, se quiser quebrar a banca, até menos. Mas isso depende, evidentemente, do imposto de importação de veículos elétricos.

Bem equipado, tecnológico e seguro (é um carro que recebeu 5 estrelas no rigoroso teste do Euro NCAP), o Zeekr X tem tudo para agradar. E mais: a depender de fatores mercadológicos, tem todos os predicados para incomodar o “rival” EX30 no Brasil. E aí? Quem levaria a melhor nessa briga de “irmãos”? Quem faria o papel de Caim? E o de Abel?

Foto principal | Marcus Celestino/Autos Segredos